Gosto se discute?
Segundo
Immanuel Kant, a questão do gosto é uma discussão, um processo de
"lapidação das opiniões", de modo que é possível discutir o que é belo e
bom. Mas para fazer esse debate é necessário verificar se estamos
utilizando as categorias corretas
por Matheus Arcaro*
Para Immanuel Kant, sim. Tanto é que ele dedicou uma obra inteira para as questões do gosto, a Crítica da Faculdade de Julgar,
publicada em 1790. Para o filósofo supracitado é possível discutir o
gosto, porque uma discussão é diferente de uma disputa. Filosoficamente,
uma disputa é uma batalha de argumentos que exigem demonstrações, a fim
de que uma ideia prevaleça. Uma discussão é um processo de lapidação
das opiniões, cuja finalidade é chegar a um acordo entre as partes.
Assim, não se disputa sobre o belo, porém pode-se discuti-lo. Kant ainda
afirma que a experiência estética é compartilhável e que a beleza é uma
ideia universal da razão. Seu conteúdo e sua forma podem variar segundo
circunstâncias históricas e segundo a subjetividade dos artistas, mas o
sentimento de belo, fundamento do juízo de gosto, é universal.
Partindo das proposições kantianas, ou seja, se o sentimento de
beleza é universal e passível de partilha, por que, atualmente, vivemos
uma carência de esteticidade? Hoje em dia, conforme ilustra Marilena Chauí,
se perguntássemos a uma pessoa comum o que é um artista, provavelmente
ela elencaria nomes de atores de televisão ou cantores populares.
Escritores, pintores e escultores com quase toda certeza não seriam
citados. Para este indivíduo, diferentemente da concepção romântica, o
artista não é o gênio criador, inspirado divinamente; é alguém que
realiza performances. Por que esta percepção?
Na contemporaneidade, a sociedade do espetáculo
está intrinsecamente ligada à Indústria Cultural. Com a necessidade de
fazer girar o capital, a indústria da cultura, de maneiras diversas,
distorce o conceito de beleza porque sua finalidade é atingir um número
grande de pessoas. “Onde as massas têm o poder de decidir, a
autenticidade se torna supérflua, nociva e prejudicial”, sentenciou
Nietzsche. Sobre este ponto, a literatura é ilustrativa: por que livros,
digamos, “palatáveis” (autoajuda, por exemplo) vendem muito mais do que
livros complexos e bem escritos? Uma das respostas possíveis: a
literatura genuína faz o leitor tropeçar. E não é todo mundo que está
preparado para cair. Os “best sellers” são “best sellers” porque dizem o
que o leitor espera. O menos preparado chama isso de “identificação”
com a obra. “Puxa vida, este autor diz exatamente o que eu penso”. Não
consegue perceber que o prazer da leitura está justamente em “fechar o
círculo”. Este tipo de leitor jamais compreenderia Jean Paul Sartre,
quando este afirmou que escrever é distanciar-se da linguagem
instrumento e entrar na atitude poética, tratando as palavras como entes
reais e não como símbolos estabelecidos. Seguindo o raciocínio
sartriano, é lícito distinguir a linguagem: a cotidiana como
“instituída” e a do escritor como “instituinte” (criadora, inventora de
significações).
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Profª Aloizia