domingo, 5 de junho de 2016

Gosto se discute?

Gosto se discute?


Segundo Immanuel Kant, a questão do gosto é uma discussão, um processo de "lapidação das opiniões", de modo que é possível discutir o que é belo e bom. Mas para fazer esse debate é necessário verificar se estamos utilizando as categorias corretas


por Matheus Arcaro*

 

 

Para Immanuel Kant, sim. Tanto é que ele dedicou uma obra inteira para as questões do gosto, a Crítica da Faculdade de Julgar, publicada em 1790. Para o filósofo supracitado é possível discutir o gosto, porque uma discussão é diferente de uma disputa. Filosoficamente, uma disputa é uma batalha de argumentos que exigem demonstrações, a fim de que uma ideia prevaleça. Uma discussão é um processo de lapidação das opiniões, cuja finalidade é chegar a um acordo entre as partes. Assim, não se disputa sobre o belo, porém pode-se discuti-lo. Kant ainda afirma que a experiência estética é compartilhável e que a beleza é uma ideia universal da razão. Seu conteúdo e sua forma podem variar segundo circunstâncias históricas e segundo a subjetividade dos artistas, mas o sentimento de belo, fundamento do juízo de gosto, é universal.
Partindo das proposições kantianas, ou seja, se o sentimento de beleza é universal e passível de partilha, por que, atualmente, vivemos uma carência de esteticidade? Hoje em dia, conforme ilustra Marilena Chauí, se perguntássemos a uma pessoa comum o que é um artista, provavelmente ela elencaria nomes de atores de televisão ou cantores populares. Escritores, pintores e escultores com quase toda certeza não seriam citados. Para este indivíduo, diferentemente da concepção romântica, o artista não é o gênio criador, inspirado divinamente; é alguém que realiza performances. Por que esta percepção?
Na contemporaneidade, a sociedade do espetáculo está intrinsecamente ligada à Indústria Cultural. Com a necessidade de fazer girar o capital, a indústria da cultura, de maneiras diversas, distorce o conceito de beleza porque sua finalidade é atingir um número grande de pessoas. “Onde as massas têm o poder de decidir, a autenticidade se torna supérflua, nociva e prejudicial”, sentenciou Nietzsche. Sobre este ponto, a literatura é ilustrativa: por que livros, digamos, “palatáveis” (autoajuda, por exemplo) vendem muito mais do que livros complexos e bem escritos? Uma das respostas possíveis: a literatura genuína faz o leitor tropeçar. E não é todo mundo que está preparado para cair. Os “best sellers” são “best sellers” porque dizem o que o leitor espera. O menos preparado chama isso de “identificação” com a obra. “Puxa vida, este autor diz exatamente o que eu penso”. Não consegue perceber que o prazer da leitura está justamente em “fechar o círculo”. Este tipo de leitor jamais compreenderia Jean Paul Sartre, quando este afirmou que escrever é distanciar-se da linguagem instrumento e entrar na atitude poética, tratando as palavras como entes reais e não como símbolos estabelecidos. Seguindo o raciocínio sartriano, é lícito distinguir a linguagem: a cotidiana como “instituída” e a do escritor como “instituinte” (criadora, inventora de significações).

 fonte: http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/38/artigo273804-1.asp

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